quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Travessia, ou a terceira margem

Foi um fato que se deu um dia... Em agosto de 2008.

Era missa de sétimo dia do meu pai, na Associação da Comunidade Japonesa Shimane-Ken, no Bairro da Saúde, da província onde meu pai nasceu quase 90 anos atrás. Convidamos um monge budista, do templo Soto Zoshu, da Liberdade.

Meu pai ajudou muito para manter a cultura e a tradição japonesa e também ajudou na construção e na manutenção, tanto da Associação como do Templo.

E o monge começou dizendo:

“O pai de vocês deixou este mundo, e ele está fazendo uma viagem. Pelo rio. Faz a travessia. Ele não está mais nesta margem. Mas também não chegou na outra margem. Ele está no meio. Está na terceira margem do rio. Para que ele faça uma boa travessia, precisamos fazer oferendas e orações. De sete em sete dias, até se completarem 49 dias, que são sete semanas, ofereçam aquilo de que ele gostava: comidas, flores... E vamos lhe desejar uma boa viagem. E vamos fazer outra missa, quando se completarem os 49 dias.

“Durante esse período, não mexam no seu quarto, não mexam nas coisas pessoais. Ele ainda está presente. Não deixou ainda o seu lugar. Não chorem. Não se atormentem. Se lamentarem a morte dele, ele vai ficar atrapalhado. Não vai fazer uma boa travessia. Lembrem-se da vida dele. Dos seus ensinamentos. Da travessia que fez em vida...”

A minha mãe não falou “ou você vai ou você fique”. Eu vi a imagem dela bonita, tranqüila, na cabeceira da cama do hospital. Ela estava esperando por ele, para fazerem a travessia juntos
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Temos de agradecer à amiga Rosa Haruco Tane, nossa anfitriã da Roda de Leitura de Guimarães Rosa, no IEB, na USP, por esta história. Obrigado, Rosa.
Comentem, por favor. Compartilhem.

2 comentários:

  1. É mesmo de travessia em travessia que a gente vive... Fiquei muito emocionada com sua estória, Rosa, e com a maneira tão linda e tão doce de se despedir de alguém querido. Hummm, e será que o nosso Guima também não conhecia uma ou duas coisinhas sobre a cultura e rituais japoneses? Eta mineirinho ativo, hein?

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  2. Oi pessoal,

    Lembrei da minha vó quando li sua estória, Rosa. Por ser de família japonesa nós fizemos este ritual também e o meu pai me explicou exatamente o que o monge disse. Me identifico muito com a religião oriental e acaba sendo impossível não se emocionar.
    Obrigada por compartilhar esta estória.

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