terça-feira, 2 de junho de 2009

Maristela Guedes na Ciranda

Caros, caras,

para continuar a brincadeira a nova postagem nos foi oferecida por Maristela Guedes [obrigado, Maristela] e é parte de uma estória maior que se chama "Maria e o Rei dos Peixes". Vamos a ela.


Maria era uma entre oito irmãos e muitos primos. Morava na capital, mas tinha suas férias garantidas no interior, o que tornava a infância mais feliz e menos cercada de adultos controladores.
Este é um trecho que conta um pedacinho desta história que virou estória:

...Nas férias, um pouco de praia e depois, Cordisburgo. Agora, na casa que tinha sido de Vovó. Ela tinha um crucifixo na parede do quarto. Quando a gente apagava a luz, o Jesus crucificado brilhava.

No tempo de manga, o rosto ficava com aquela cor amarelada em volta da boca, desde a manhã até a hora do banho. E era goiaba, ameixa (roubada no lote vizinho) e cajá. A lei da fruta no pé era a seguinte: viu primeiro, apontou: “aquela é minha!”, é dono! Ninguém se atrevia a quebrar a regra, sob pena de o grupo todo ficar contra ele. E também porque abria um precedente...

No mato, era pequi, araticum e cajuzinho do mato, colhido debaixo de chuva fininha, com Papai. E tinha também aquele abacaxizinho, ananás. E jatobá, com cheiro de roupa que secou no quarto fechado.

O Pai conhecia tudo no mato: cagaita, que se comesse quente de sol, dava piriri, mas era só tomar o chá feito da casca da cagaiteira que sarava. E mangaba, que se a gente mastigasse os carocinhos um tempo, virava chicletes. No tronco da mangabeira, Papai dava um corte e colhia um leite, que virava borracha. Aí, fazia uma bola, que quando batia no chão, pulava alto!

Ele enchia o carro com a meninada, até no porta-malas, pra andar no mato ou nadar no córrego. A prima Silmara tinha sempre um machucado pra levar de lembrança das férias. Desta vez, foi um pedaço de pau que entrou na canela, uma ferpa gigante, do tamanho da metade de um dedo mindinho! Ficou dias lá, inflamando, sem ninguém saber, até resolver sair por si só, já em BH.

Lugar bom para as horas de ficar sozinha é em cima de árvore. No galho mais alto possível, onde as mangas dão alaranjadinhas!... Olhar pra baixo e ver tudo de longe, sem ser vista. Pensar coisa atôa, até perder o fio do pensamento...

(“E se naquele dia o menino tivesse falado com a própria boca, como ia ser? A gente aprende que verão é estação de sol, mas sempre chove, desde o Natal... No ano 2.000 eu vou fazer 37 anos. Como será que eu vou ser? Faltam duas semanas pra acabarem as férias... Psicóloga! É isso que eu quero ser. Mas o que é que uma psicóloga faz? Eu não conheço nenhuma... Será que vai ter Barraquinha? Não, é só nas férias de Julho. Faz tanto frio na Barraquinha! Mas é bom, tem parque e correio elegante, é engraçado. Vou pedir Tio Gabriel pra me deixar atirar de espingardinha de chumbo. Posso ser artista, também.. Mas artista desenhista é trabalho?...”)

Em cima de árvore é bom pra brincar, também: no pé de manga-pequi, cada um tinha um “apartamento”, com fios e ganchinhos para comunicação de segredos. (Bilhetinhos escritos em códigos de desenhos, que duravam até depois das férias, em cartinhas custooosas de escrever... E cigarrinhos de talos de chuchu, e pasta de dente pra despistar o cheiro na boca.)

Debaixo da árvore era guisado: comidinha feita em fogão de tijolos. Arroz empapado, com gosto de fumaça, batata encharcada em gordura, feijão, que já vinha pronto do fogão de lenha de verdade... porque feijão demora um dia inteiro pra cozinhar, Mamãe falava. Carne picadinha e frita, bem molhadinha. E tomate picadinho - Maria picava: uma delícia!

Bonito, de noite, era ouvir os tios cantando canções antigas. Com violão acompanhando. Eles cantando e a gente lá, quietinho, só escutando... As canções falavam de um tempo loonge :

“Eu era feliz e não sabia...”

E de um primeiro amor que “tão cedo acabou, só a dor deixou...”. A gente sentia uma espécie de saudade, sem saber direito do quê... Principalmente quando eles cantavam:

“Eu não sei pra quê que a gente cresce...”

O maior segredo e a maior aventura era atravessar o Pontilhão. Sempre quando estavam lá no meio, um dos meninos gritava: “Invém o trem!!” Aí, todo mundo corria de volta, dando um trabalhão pros Anjos-da-Guarda, que se confundiam e, na dúvida, cada um segurava quem estivesse mais perto...

Na volta, passar pela rua da estação e brincar de escorregador no corrimão da escadaria, encerada de vermelho. Depois entrar no Museu, logo ali, pra beber água, ir ao banheiro, pegar jabuticaba, se era tempo delas, olhar com medo o quarto da vovó Xiquinha e ver aqueles lápis com pontas enormes, feitas pelo próprio Guimarães Rosa, que tinha aquela máquina de escrever pesadona, muito antiga, gostava de bois e cavalos e usava gravata borboleta, feito menino pequeno...

Um comentário:

  1. Telinha,
    que delícia a sua estória . Viajei no seu contar...
    Revivi minhas férias na fazenda , e a árvore com os apartamentos , era igualzinho . Só que nossa árvore era uma pitangueira , os bilhetinhos eram escritos nas folhas da árvore e o lápis era um galhinho seco, bem fininho ( dava um trabalhão prá escrever) .
    Obrigada!!!!
    beijos
    Linda

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